terça-feira, 3 de outubro de 2017

4.3

4.3
Entram Sir Walter, Dourado, Tim e Tutor.
SIR WALTER 
Isso lá é confinamento?
DOURADO 
Ela estava sob
Uma dupla tranca.
SIR WALTER 
Um duplo demônio, antes!
TIM 
Taí um sargento durão, Tutor, que nunca amolece.1
DOURADO 
Você, como trancaria as mulheres?
TIM 
A cadeado, pai; os venezianos têm o uso;2
Meu tutor me lê.
SIR WALTER 
Bolas, se estava assim trancada, como escapou?
DOURADO 
Havia um pequeno buraco que dava na vala;
Mas quem pensaria nisso?
SIR WALTER 
Um homem mais sábio, é certo.
TIM 
É verdade o que ele diz, pai; um homem sábio, por amor, procura em cada buraco; meu tutor sabe.


TUTOR 
Verum poeta dicit.3
TIM 
Dicit Virgilius4, pai.
DOURADO 
Eu lhe rogo, não fale de virgens5, que já nem sei se é mais. Onde está sua sábia mãe agora?
TIM 
No auge da loucura, eu acho; pensei que ia se afogar. Não quis esperar remeiros, e tomou um barco de pesca; é bem certo, acho, que foi tentar pescá-la!
DOURADO 
Agora ela vai fisgar um belo prato de piabas,
E somos nós as piadas.6
Entra Rosinha puxando Maria pelo cabelo, e dois Remeiros.
ROSINHA 
Te arrasto de volta pelo cabelo.
TERCEIRO REMEIRO 
Madame, deixe-a!
ROSINHA 
Cuide da sua vida.
QUARTO REMEIRO7 
A senhora é uma mãe cruel.
Saem os Remeiros.
MARIA 
Oh, é a morte do meu coração!
ROSINHA 
Vou te fazer de exemplo p'ra todas filhas da vizinhança.
MARIA 
Adeus, vida!
ROSINHA 
Vocês conspiradoras fingem bem.
DOURADO 
Chega, chega, Rosa.
ROSINHA 
Trouxe sua joia pelo cabelo.
DOURADO 
Cá está ela, fidalgo.
SIR WALTER 
Basta, só me sinto pior.
TIM 
Olha pra ela, Tutor; ela a trouxe da água como uma sereia8; é só meia irmã minha agora, apenas a parte de carne, o resto se pode vender no mercado.
ROSINHA 
Rapariga falsa e matreira!
DOURADO 
Vadia sem vergonha!
SIR WALTER 
Ou largam disso os dois, ou sou eu quem larga tudo!
[A Maria] Por que me trataste assim, cruel senhorinha?
Que fiz p'ra merecer?
DOURADO 
O senhor fala macio demais:
Seguiremos outro alvitre, e prevenimos tudo;
Já podia ter sido feito; agora é correr,
E não mais confiar nela. Amanhã de manhã,
Tão logo saia o sol, será o enlace dos dois.
MARIA 
Trazei a morte hoje, por piedade, ó Parcas;9
Não me deixai ver o amanhã raiar sobre o mundo.
DOURADO 
Agrada-lhe, senhor? Até lá, fica sob vigia!
ROSINHA 
Vai ficar, rapariga.
Saem Dourado, Rosinha forçando Maria, e, separadamente, Sir Walter.
TIM [Enquanto eles saem]
Pois, pai, meu tutor e eu vamos vigiar de armadura.10
TUTOR 
E como conseguimos armas?
TIM 
Não se preocupe com isso. Se preciso for, posso mandar trazer uma lâmina de muitas conquistas, Tutor, que nunca perdeu uma batalha. Está logo ali na Abadia de Westminster; conheço quem guarda os monumentos; posso pegar emprestada a espada de Henrique V11, vai bastar para nós dois vigiarmos.
Saem.
1Brinca-se com a dureza do couro dos uniformes dos sargentos (“buff jerkin”) [LW].
2Cinto de castidade. O rígido controle sobre as mulheres era associado à Itália [LW].
3“Verdade diz o poeta”.
4“Di-lo Virgílio”. Tim poderia estar se confundindo enttre o Ars Amatoria de Ovídio e o sisudo Virgílio [LW].
5Dourado ouve em Virgilius a palavra “jills” [LW]/”gills” [AB/L&T], que apontava uma mulher promíscua.
6“Gudgeons” são peixes miúdos usados para isca, e “gape for a gudgeon” significava ser enganado [LW].
7As atribuições a Terceiro e Quarto Remeiros seguem a emenda adotada em 4.2 (ver nota a 4.2.20).
8“Mermaid”: prostituta; “fishwives” (l.28): vendedoras de peixe/cafetinas. Ver Hamlet 2.2.176 [GW “fishmonger”].
9“Fates” se referia às Parcas (Roma)/Moiras (Grécia), divindades que teciam e rompiam o fio da vida [LA].
10Além de brincar com a tradição cavalheiresca, “in armour” podia se referir ao efeito da bebida [LW/L&T].

11Henrique V reinou de 1413 até a morte em 1422 e conquistou importantes vitórias na França. Suas armas, no entanto, haviam sido roubadas. É possível que Tim se confunda com a enorme espada de Henrique VIII [L&T].

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